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Políticas Preventivas de saúde através do Teatro em Palmas (TO) (página 2)

Enviado por Paulo Milhomens


Partes: 1, 2

No Tocantins, as esferas públicas e governamentais de política preventiva em saúde estão organizadas com projetos implantados pelo Programa Nacional de DST/Aids (no caso, encontrar uma solução que venha a melhorar a qualidade de vida ajudando a promover a saúde pública preventiva). Não obstante, pelas dificuldades encontradas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em resolver as permanentes problemáticas relativas à sexualidade juvenil, especialmente na capital, e provocadas pela falta de informação adequada, o sistema público de saúde tocantinense passou a adotar outros mecanismos de interferência nas comunidades mais afastadas da cidade (sobretudo, nas regiões norte e sul, com um maior índice de pobreza e analfabetismo).

Vejamos o caso particular do vírus HIV: inúmeras pesquisas empreendidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)6, revelam o alto índice de contágio em diferentes níveis da sexualidade humana. Nos países do chamado Terceiro Mundo, a situação de miserabilidade é um fator relevante, analisando-se circunstâncias como a gravidez precoce e o estímulo à sexualização juvenil, nas quais determinados grupos populacionais estão inseridos na dinâmica capitalista global. No Brasil, as bases de dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam o contexto demográfico e socioeconômico em que ocorre a epidemia da Aids no país7. Foram construídos a partir de informações do Censo Demográfico de 2000 e por intermédio de pesquisas por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Contagem da População, em 1996.

Ao apresentar a metodologia de trabalho do grupo teatral DST-Zudos – que será exemplificada no texto – objetivamos demonstrar como a pedagogia teatral consolidou-se como um importante elo de informação e cuidados acerca da proliferação do vírus e desmistificação da doença. É necessário identificar como população excluída as comunidades urbanas e rurais descontextualizadas dos mecanismos de inclusão entre a diversidade étnica e a qualidade de vida proposta por um governo e seu condicionamento sócio-cultural.

Os desafios de uma jornada

No dia 30 de julho de 2005, às vésperas do término do último contato com o Programa Nacional de DST/AIDS, do Ministério da Saúde, recebemos uma notícia que enfraqueceu um trabalho de quase três anos. Repentinamente, todo um processo de trabalho realizado por um grupo que se tornou importante veículo de informação e inovação nos métodos de prevenção das DST"s no Estado do Tocantins. O grupo teatral DST-Zudos encerrava suas atividades. O recurso para continuidade do projeto havia acabado. Era difícil para todos nós admitir o fato, mesmo quando havíamos questionado tanto nossos erros e acertos, de tornar um elenco estável até ali. Notoriamente, o espetáculo cresceu a ponto de ser uma referência na mídia, quase sempre relacionado ao chamado teatro de militância8, denominação comum a trabalhos que seguiam o estilo. Embora estivéssemos cientes de todos os erros e acertos cometidos até ali, havia a esperança de continuar o nosso projeto por mais tempo. E tentamos até onde podíamos.

O teatro de rua, voltado para a prevenção, foi uma das reações da sociedade civil frente à epidemia, que se multiplicou e desenvolveu de tal forma que o poder público encontrou nessa forma de expressão um parceiro para a difusão de informações e campanhas de conscientização. Conforme a obra de Daniel Souza e Marta Porto9, a dramaturgia voltada para prevenção (textos teatrais sobre Aids) encontrou na literatura autores de peso que deram sua contribuição, tais como Aderbal Freire Filho, Luís Alberto de Abreu, Virgínia Lúcia Menezes, Maria Helena Kühner, entre outros. Em várias regiões do país há escritos belíssimos que podem ser adaptados ou encenados pelas multifacetadas regionalidades brasileiras. Estes autores, por exemplo, fizeram a diferença ao ajudar na desmitificação do chamado teatro pedagógico10, termo que em si, designa o preconceito artístico e estético relacionado a essa linguagem.

Façamos então um breve retrospecto da história do HIV-Aids. Tomemos as informações de Perciliana Bezerra de Carvalho11, Coordenadora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde do Tocantins:

"Aids só se tornou foco de prioridade pela OMS (Organização Mundial de Saúde) quando a doença surgiu em 1981, atingindo inicialmente uma elite muito rica. A africanização da doença no Terceiro Mundo é outra história. Acha que se fosse como uma malária ou uma dengue (doenças que matam majoritariamente pobres) atingindo tal população, essa quantidade de propaganda anti-Aids teria vindo à tona? Se você tem artistas e intelectuais mundialmente reconhecidos morrendo num mesmo período pela peste gay – termo socialmente excludente – serviu como pretexto para tapar essa lacuna. O favorecimento das políticas e drogas anti-HIV desenvolvidas no mercado farmacêutico resultante dessa notabilidade pública verificada em nível mundial sobre uma determinada classe".

A Coordenação Estadual de DST/Aids foi criada em agosto de 1991, na gestão do Secretário de Saúde Merval Amorim, durante a administração estadual de Moisés Avelino. Em outubro do mesmo ano, tem início no país o programa Brasil 0112, financiado pelo Banco Mundial, no qual 65% deste valor foram direcionados para a prevenção de doenças transmissíveis. O Programa Nacional de DST/Aids foi criado em 1981, tendo a biomédica Lair Guerra de Macedo como primeira coordenadora. Paralelamente, inúmeras Ongs no país também estavam na luta, como o Ghapa, Instituto Henfil – este que nos anos 1990 ficou muito bem representado pelo militante dos direitos humanos Betinho13.

Em relação ao Tocantins, os dados epidemiológicos sobre HIV/Aids contidos na Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, foram repassados ao Tocantins por volta de 1992-1993. Perciliana informa que o acesso a dados sobre pacientes, diagnósticos e estágios adquiridos da doença, só podem ser obtidos mediante notificação oficial (casos específicos). O sigilo sobre a vida dos pacientes é uma política de privacidade que está claramente protegida pela Constituição. Curiosamente, o Brasil foi o primeiro país a inovar em políticas preventivas, como a distribuição de preservativos em datas festivas (Carnaval) em meados da década de 1980.

Quando as intervenções teatrais cresceram neste período, só mais tardiamente outros países começaram a adotar as mesmas técnicas. Quando o Brasil 01 foi aprovado em 1993, 265 milhões de dólares foram repassados ao governo brasileiro no ano seguinte. O Tocantins passou a ter incentivos diretos de Brasília a partir de 1995, nas chamadas campanhas de prevenção nos municípios. Conforme McLuhan14, as relações humanas num âmbito global tendem a criar condições de interação codificadas em acontecimentos que não encontram o tempo habitual como determinação lógica de seus acontecimentos – isto também ocorre nas relações de trabalho no mercado contemporâneo. As Ongs indicam uma possibilidade social com a retomada dos ideais neoliberais dos anos de 1980, sobretudo a propagação ideológica da dependência estatal frente aos mercados, conceito absoluto na política externa de Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Com o enfraquecimento do bloco soviético e a fragilização socialista, as políticas públicas são relativizadas em outros setores organizados das sociedades como resposta à exclusão social resultante do neoliberalismo.

O convênio ao qual estávamos ligados foi estabelecido por meio de uma verba federal destinada à manutenção de organizações não-governamentais e entidades filantrópicas que estavam vinculadas ao combate de doenças sexualmente transmissíveis e à Aids no país. Há pelo menos cinco anos, o Ministério da Saúde vinha incentivando grupos de teatro, companhias, associações e entidades filantrópicas a montar espetáculos teatrais focados neste tema. Este trabalho envolveu uma série de profissionais ligados à área e técnicos do Ministério da Saúde espalhados pelo Brasil, com resultados muito relevantes.15 Quanto ao requisito técnico, não fora, a princípio, uma meta que precisasse de rigor em qualidade.

A possibilidade de fazer com que profissionais de artes cênicas sentissem interesse, era a de justamente perceber se havia contrapartida institucional suficiente para a manutenção dos elencos e de toda a equipe envolvida. Inicialmente, os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul obtiveram uma quantidade maior de projetos aprovados.16

A primeira viagem que fiz a Brasília para articular uma primeira etapa do projeto nos fez perceber a importância e a oportunidade que teríamos no Tocantins, caso nosso projeto fosse aprovado. Seríamos os primeiros no Estado do Tocantins – e até hoje os únicos – a apostar na idéia. Pelo fato de ter o teatro como experimento, já nos possibilitaria muita coisa. Havia um projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Trânsito de Palmas, durante a gestão da prefeita Nilmar Ruiz17, que criara um grupo com dois espetáculos voltados para a educação no trânsito.

Esse projeto ficou bem conhecido na cidade, com inúmeras apresentações durante todo o ano. O grupo DST-Zudos apostaria em idéia semelhante. Escolas, praças, auditórios, os locais mais inusitados nos deram incentivo ao projeto que o tornou incomum. O teatro palmense, que até em seu recente processo de criação mantivera como referencial uma forma convencional (casa de espetáculos específicas ou auditórios), não havia ousado, dentro de condições mais ágeis e economicamente mais viáveis. O grupo teatral DST-Zudos seria, portanto, o pioneiro nessa experiência que marcou definitivamente nossas vidas como artistas, e conseqüentemente todos os envolvidos no processo.

Em abril de 2003 – acaso permitam um relato pessoal – estava cursando o segundo semestre de história na Universidade do Tocantins (Unitins), que mais tarde viria a ser encampada por um decreto federal, ainda na gestão do governo FHC, que criava a Universidade Federal do Tocantins (UFT). Trabalhara em outros empregos, mas, paralelamente, sempre desenvolvi meus trabalhos como ator. Minha passagem de um ano e meio pela Companhia Chama Viva, depois de uma breve turnê com o espetáculo Bodas de Sangue18, projeto que se havia iniciado em fevereiro de 2002, fez-me perceber a necessidade de arriscar novos horizontes. Queria colocar em prática uma outra idéia (até ousada para uma cidade que não tinha as menores condições de oferecer demandas de produção cultural)19: montar meu próprio grupo. Mas precisava de um bom projeto. E bons atores. Decidi não abrir mão das condições necessárias para se produzir um espetáculo que fugisse dos problemas que não queria repetir, coisa dos trabalhos anteriores.

Foi exatamente pensando nisso que, por intermédio de um amigo meu, conheci Bismarque Roberto de Souza Miranda, também estudante de história e membro do Movimento Nacional de Luta pela Moradia do Tocantins (MNLM).20 Ligado ao movimento desde sua fundação no Tocantins, Roberto havia sido integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na região de Araguaína, e estava morando em Palmas havia cinco anos. Trabalhava no setor de projetos e contei-lhe o que pensava sobre o assunto. Como viajávamos no mesmo ônibus até a universidade, teríamos aula no mesmo horário. Quando falei do meu trabalho de ator, o mesmo disse que conhecia mecanismos para obter recursos para o Tocantins, onde concretamente poderíamos tentá-los. Naquele momento, comecei a perceber a importância dos projetos artísticos relacionados ao Terceiro Setor (organizações da sociedade civil). Ganharia independência como produtor, mesmo sabendo de todo o trabalho que teria.

Esta, pelo menos, seria uma das formas de buscar a autonomia que tanto buscava como artista. Educando na Rua e em Qualquer Lugar foi o nome escolhido para batizar o projeto que inseria os DST-Zudos no esquema de projetos do Programa Nacional de DST/Aids. A proposta era justamente essa: fazer arte em qualquer lugar. Encenar uma peça informativa com a temática do assunto em locais variados, atendendo à demanda de públicos distintos, uma vez que propusemos sua intervenção na comunidade. Já o "apelido" excêntrico DST-Zudos era uma brincadeira que se tornou o cartão postal dos atores. Uma alusão às doenças sexualmente transmissíveis e o ato de fazer sexo ou estar com "tesão" – literalmente. Só tínhamos obviamente, uma certa dificuldade em fazer com que os veículos de imprensa reproduzissem o nome na íntegra, algo que acontecia sempre que reportagens eram publicadas em jornais locais.

O contato inicial foi feito sem maiores problemas, e isso nos dava um aval necessário para articular a equipe. Até então, não possuía maturidade profissional para se formar um elenco. Pelo menos os atores que já haviam trabalhado comigo não se mostravam muito disponíveis. Precisava conhecer pessoas novas. Mediante contatos, passei a freqüentar a Arno 31 (atual 303 Norte) – região norte da cidade – onde acabaria residindo por mais de dois anos depois de entrar em contato com a entidade, até porque, estava sediada lá.

Passada uma semana, estava em casa, quando um amigo chegou numa motocicleta para falar comigo com urgência. Disse-me, meio às pressas, que "Bismarque precisa falar com você o mais rápido possível numa reunião". Tratava-se de um encontro com um técnico do Ministério da Saúde (funcionário do Programa Nacional de DST/Aids), que estava realizando auditorias fiscais em relação a projetos conveniados com o PN, desenvolvidos pelas secretarias estadual e municipal de Saúde. Lançou uma proposta: estava interessado em apoiar um projeto que trabalhasse o tema da Aids utilizando o teatro. Notavelmente, parafraseando os bons encontros da lei das oportunidades, não perdi tempo. No entanto, aquele primeiro contato não garantia muita coisa. Leonardo Guirao21, funcionário do Programa Nacional de DST/Aids vinha articulando com ONGS"s de todo o Brasil a criação de espetáculos teatrais focados na política de saúde preventiva. Seu trabalho foi tão bem reconhecido, que recebeu um convite de uma empresa estrangeira para realizar um trabalho grandioso em Maputo, Moçambique, sudoeste da África.

Em maio, ocorreria a II Maratona de Teatro em Aids, um evento financiado pelo Ministério, reunindo todos os grupos e seus espetáculos fomentados pelo projeto do PN. Após um mês e meio de intensa articulação, consegui uma passagem aérea para participar do encontro, sediado em João Pessoa, Paraíba. Estávamos no mês de abril, precisava agir rápido. Tinha de levar uma proposta de projeto encaminhada para Guirao, onde discutiríamos o projeto no Tocantins.

Maratona teatral sobre aids

O encontro não poderia ter sido melhor. Os contatos e as propostas encaminhadas neste primeiro evento foram imprescindíveis para a existência dos DST-Zudos. O grande salto dos grupos que se apresentaram na Paraíba em quatro dias de evento foram suficientes para criarmos nosso espaço. Infelizmente, não pude deixar nada de concreto em relação ao projeto. Consegui fechar a direção para o espetáculo. O diretor Leandro Melo, que representava o Mato Grosso do Sul, com o Teatral Grupo de Risco, de Campo Grande, já havia sido indicado por Guirao a nos ajudar na montagem da peça e escolha do texto. Utilizaríamos a mesma peça montada lá, escrita pela dramaturga e poeta Virgínia Lúcia22.

Com uma bem-sucedida montagem no Centro-Oeste, o Norte arriscaria na empreitada. Mantive contato com Virgínia, culminando numa boa parceria estabelecida com nosso grupo até hoje. Nunca deixaríamos de falar de nossos anseios – com todas as discrepâncias que possa haver na produção cultural brasileira – e, talvez, o melhor de tudo foram os contatos e amizades cristalizadas. Virgínia mora em Aracajú, capital de Sergipe. Era presidente da Associação Artística e Teatral de Aracajú – órgão ligado ao Sindicato dos Artistas e Técnicos em Diversão e Espetáculos (Sated)23 de lá – e não tivemos problemas com os direitos autorais, uma vez que a peça não estava registrada na Sociedade Brasileira de Textos Teatrais (Sbat)24. Problemas com patentes e direitos autorais no Brasil ainda estão longe de chegar a uma resolução eficiente.

A produção cultural no Brasil, teoricamente, está amparada na forma da Lei No 8.313/91, (a Lei Rouanet)25, que obriga empresas públicas e privadas a deduzir seus impostos para o fomento de projetos culturais. Essa estratégia está regida pela dedução fiscal como política de captação de recursos. O proponente envia um projeto para o Ministério da Cultura (MinC) e, dependendo da importância de sua obra (valores, aspectos econômicos, público e setor estratégico da sociedade civil) poderá ter sua idéia apoiada.

É exatamente aí que começa o grande dilema: na prática, o governo federal apenas repassa suas responsabilidades para a iniciativa privada. Se você não possui uma lei em âmbito estadual ou municipal que possa garantir a legalidade e da importância que o empresário vai ter em apostar cada cifra no seu projeto – sabendo que o retorno em mídia é pouco rentável – as possibilidades de se criar nichos culturais são menores. Todo esse dinheiro é disponibilizado pela captação de receitas pela fiscalização do ICMS – Imposto de Circulação sobre Mercadorias e Serviços. Conforme texto anterior26, verificamos pontos básicos da economia brasileira e suas prioridades em relação às artes no Brasil.

Espaços adequados ou oficialmente construídos para abrigar as produções teatrais dos circuitos alternativos da cidade conduziram-nos a um movimento teatral focado mais para o comunitário – no sentido de produções independentes do modelo executado por outros grupos – e identificado com outras necessidades de entretenimento e informação. Nosso teatro estava mais próximo da teoria dialética de Augusto Boal27,diretor, encenador e escritor teatral, idealizador do Teatro do Oprimido, linha estética difundida em mais de setenta países. Trabalhando diretamente com operários de fábricas, profissionais do sexo, camponeses etc. sua utilização é reconhecidamente uma das técnicas teatrais mais estudadas por renomadas escolas de arte em todo o mundo. A arte naturalista, que não fazíamos questão de buscar perseguida muito vagamente por outros atores, coisa que se agravava pela escassez de profissionais técnicos capazes de nos apoiar. O teatro contemporâneo, sobretudo europeu, através de Eugenio Barba e Jerzy Grotowsky, apoiados por novas formas de experimentação teatral fizeram com que o teatro convencional (realista e naturalista) propusesse mecanismos de encenação mais ousados, sobretudo em relação aos aspectos populares, inovando, por exemplo, o teatro de rua. Na década de 1960, companhias européias estiveram no país com relativa freqüência, possibilitando importante intercâmbio cultural no teatro brasileiro. Em Palmas, a única casa de espetáculos disponível naquela época era o Theatro Fernanda Montenegro, inaugurado em 1996, administrado pela prefeitura.

Essa política cultural do governo, de certa forma muito influenciada pela Constituição pós-militar de 198828, na qual problemas sobre a cultura no país se tornaram preocupação no Senado e na Câmara Federal muito tardiamente. Foi taxada como "tapa-buraco" pelos setores artísticos menos favoráveis à captação disponibilizada pela legislação. O grande dilema da produção teatral brasileira – aqui tratada mui particularmente – deve-se a dificuldades encontradas por produtores em executar sua produção para o mercado. Freqüentemente, em nosso país, ser um artista conhecido pela grande mídia ou possuir contatos diretos com pessoas influentes no governo (secretários ou ministros) teoricamente facilitam seus acessos na busca de patrocínio. Obviamente, um grande empresário não irá investir no "João Ninguém", a não ser que seu nome comum esteja ligado a uma grande corporação ou empresa.

A centralização do eixo Rio-São Paulo deve-se a dificuldades de isolamento geográfico que precisam ser relevadas.29 Os estados do Nordeste (em particular Bahia, Pernambuco, Ceará e Paraíba) são pólos competitivos de rica expressão popular que vêm exportando há décadas no cenário cultural brasileiro manifestações únicas no país. O chamado Brasil Central, composto pelos estados do Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, visto pela Fundação Nacional de Arte (Funarte)30 como pólo produtor "esquecido" vem se tornando, nos últimos cinco anos, uma preocupação para o governo federal.

Mas, do ponto de vista econômico, uma região que atende a uma demanda escassa – sobrando para poucos agentes culturais a obtenção dos melhores recursos. Até mesmo nos grandes editais das empresas de natureza híbrida (ao mesmo tempo, públicas e privadas como Brasil Telecom, Interlig, Embratel e Telesp), as condições de apoio acabam sendo setorizadas por monopólios da cultura. O grupo teatral DST-Zudos era uma resposta direta em busca de outro caminho: a desburocratização no setor de patrocínio. Pelo menos como concebíamos, naquele momento, as condições políticas do incentivo à cultura no Brasil, procuramos convicção em um teatro alternativo buscando novos mecanismos que começamos a vislumbrar – facilidades para encenação, poucos adereços, figurinos fabricados pelo elenco, instrumentos que serviam como complemento da peça etc.

Em dois anos e meio de existência, o número de praças é ínfimo quando comparados a auditórios, ginásios, pátios escolares, calçadas, residências e uma praia onde o espetáculo foi encenado, chegando a resultados inesperados. A sedução exercida pelo elenco resultou numa mostra do que poderíamos fazer em intervenção urbana. E, logicamente, uma resposta à falta de apoio a projetos daquela natureza. Nossa preocupação inicial era preparar o espetáculo num sistema de núcleo de pesquisa: leituras, estudo sobre autores teatrais, laboratórios e jogos dramáticos.

Esse tipo de trabalho não é tarefa para qualquer companhia ou grupo do país; os êxitos localizáveis estão representados nas poucas companhias sólidas que atuam profissionalmente no Brasil, como Lume (Campinas-SP), Centro Teatral Etc e Tal (Rio de Janeiro), Os Melhores do Mundo (Distrito Federal), Teatral Grupo de Risco (Campo Grande-MS), entre outros. Nos casos específicos de companhias que optaram por desenvolver atividades pautadas em saúde pública – percebendo o grande "filão" que isso representa enquanto trabalho institucional – sua rede de contatos foi ampliada através de um espaço virtual na Internet em que os artistas teatrais de todo o país pudessem se comunicar. Incorporado ao sítio digital do Programa Nacional de DST/Aids, o Grupo de Teatro Aids31, moderado pelo ator e técnico em saúde pública Douglas Peter, de São Bernardo do Campo, São Paulo, incentivou e intercambiou – como ainda o faz – brilhantes projetos que possuem reconhecimento internacional.

Após pesquisas consideráveis do Programa Nacional, especialistas em dinâmicas pedagógicas associadas às artes, ligados a Ongs do Sudeste, Nordeste e uma do Centro-Oeste (Teatral Grupo de Risco), resolveram investir e incentivar o teatro para auxiliar as políticas de saúde pública. Historicamente, o dinamismo e a criatividade da manifestação artística são fatores responsáveis pela democratização do conhecimento, proporcionando uma nova leitura da realidade sobre os contextos culturais diversos. A arte, por estar imbuída de signos e códigos não-convencionais, possibilita ampliar a visão humana na potencialidade dos métodos educacionais sobre a informação. Segundo o musicólogo, pesquisador cultural e escritor Mário de Andrade, em sua obra O Turista Aprendiz32 resultante de uma notória viagem ao Norte do país, coloca em tese uma nova perspectiva de discussão sobre a identidade étnica e a diversidade cultural brasileira.

Seus escritos são de fundamental importância no paralelo levantado aqui, onde obstinação por parte de quem propõe mudança em relação ao modelo de pensamento tradicional. O que nos leva a entender que culturas solidificadas precisam ser rediscutidas gradualmente, conforme as amplitudes necessárias, mas delineando a respeitabilidade e observâncias necessárias para melhor assimilação frente às mudanças do mundo. O novo não pode ser motivo para fim33. No teatro, assim como em qualquer outro gênero artístico, essa proposição deve acontecer.

Um dos maiores dilemas de nossa formação política está no processo histórico inquestionável sobre a privação de bens culturais. Particularmente, diante da educação brasileira dos últimos trinta anos, com o fortalecimento da escola positivista no sistema de ensino, ainda somos incapazes de pensar em certas coisas que são impostas de forma subliminar. Nessa ótica, sabemos que o teatro, uma arte de caráter popular, é uma das formas mais eficazes de produzir mudanças significativas em nosso contexto cultural.

A contribuição das artes cênicas na conscientização e transformação da realidade tem ganhado destaque em nossa cultura. Como se sabe, este mecanismo também apresenta suas falhas, mas é uma tentativa, uma metodologia capaz de resultados incríveis na educação das pessoas. Essa constatação política deve nortear o artista na contemporaneidade, se quiser entender melhor o mundo que o cerca.

Arte versus Aids

Começamos os ensaios do espetáculo João Cuiúdo contra o Bicho DSTesudo em julho de 2003, ainda com reuniões de leitura, num trabalho que partia de reuniões informais na antiga sede do MNLM, situada próximo à minha residência. Ainda estava empolgado com os resultados obtidos na Maratona, principalmente, depois de acompanhar os projetos notórios que estiveram presentes no evento, entre os dias 08 e 11 de maio daquele ano. O que torna esse processo de montagem interessante é que nunca tivemos um esquema de montagem profissional.

Como os atores João Welson e Anselmo Martins compartilhavam de uma experiência artística semelhante – mesma idade, tempo de carreira – fazíamos uma troca de informações que não seguia um esquema rígido. Como tínhamos pouco tempo para a montagem e a estréia propriamente dita, adiantamos certas etapas, que se orientadas por um esquema mais profissional, tornaria o espetáculo mais eficiente quanto ao objetivo do projeto.

A intenção era fazer do Educando na Rua e em Qualquer Lugar uma proposta de intervenção artística pautada não apenas no teatro, mas na própria mudança de mentalidade em relação às práticas de saúde pública, de certa forma pouco criativas na cidade. Mas, desde o início, não foi exatamente isso que ocorreu. A Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) e Secretaria Municipal de Saúde (Semus) eram, por indicação do Ministério, as instâncias máximas que nos dariam o suporte necessário para a execução do projeto. Bem, na prática, isso não ocorreu como prevíamos. Talvez, levando em consideração nossa inexperiência em resolver a questão do apoio político entre os membros do grupo, e segundo, a divergência existente entre mim, e a coordenação do MNLM quanto aos métodos de parceria técnica.

Tínhamos no elenco seis atores: Paulo Milhomens – coordenador do projeto –, João Welson, Drykha Souza, Anselmo Martins, Ana Frizter (mais tarde substituída pela atriz Edna Aguiar), Kettlyhara Lima (que substituiu Edna, num segundo momento) e Andréia Oliveira. Edna e Ana foram atrizes atuando em diferentes fases do grupo, mas, devido a problemas particulares, deixaram a equipe. Assim, Kettly e Andréia foram substituições definitivas para o elenco final. Estreamos em dezembro, mas havia muito que melhorar no espetáculo. A encenação para funcionários da Secretaria Estadual de Saúde no dia 1° de dezembro de 2003, na sede da mesma (a quarta naquele ano), como ação efetiva para o dia mundial de combate a Aids, nos aproximou do governo estadual para a renovação do projeto junto ao PN-Aids. Exponho de maneira pouco usual o que pode se tornar uma saga indefinida em nosso contexto tocantinense local. O que ficou bem claro, desde o princípio, era sustentar a idéia de se manter um grupo fixo (um elenco que continuasse coeso no projeto). Este, também é um grande dilema na estabilidade dos grupos.

A linha estética na qual o espetáculo montado se mantém é o espaço alternativo. Sua montagem já o propiciava (ausência de cenografia complexa). O texto teatral possui essa característica: adaptabilidade. Quando foi montado pelo Teatral Grupo de Risco,34 o diretor Leandro Mello utilizou-se de elementos regionais sul-mato-grossenses, mas numa ótica mais simbolista: os códigos que fazem referência à sexualidade da peça são trabalhados com códigos (figurinos, desenhos, gestos específicos locais) que conotassem o cotidiano, mas em dimensão menos realista. Obviamente, produzem efeito de entendimento semelhante.

A simbologia das personagens também criou condições necessárias para a chamada contextualização do espetáculo – aliás, parte fundamental no teatro brasileiro contemporâneo – e, quando contratei Mello para fazer a consultoria de direção, nossa principal preocupação era achar uma "cara" para o texto João Cuiúdo contra o Bicho DSTesudo numa perspectiva tocantinense. Como por exemplo, música, expressões lingüísticas, identidade étnica e diversidade da cultura tocantinense apropriada ao espetáculo. Quando estiveram presentes num primeiro momento, Mello (como diretor) e Roma Román (atriz, diretora e psicóloga) trabalharam conosco uma seqüência de laboratórios que desconstruia um pouco a falta de proximidade que tínhamos com nossa mensagem principal: a doença tratada através do lúdico.

Como não dispúnhamos de um espaço para ensaios, fizemos uma economia informal e construímos uma pequena sala – um local de ensaios pouco maior que um quarto de hotel – para funcionar como sede do grupo. Intercalavam na agenda do "Espaço de Cultura da 607 Norte" (nome da quadra residencial) outras atividades, como aulas de teatro e capoeira. Passamos por períodos de ensaio disciplinados, a princípio, dentro de um estatuto, nossa "norma" reguladora interna. Seria (como tentamos fazer) um bom passo para desenvolver um trabalho estético.

Chegamos a um consenso: o desenvolvimento dos ensaios teria de seguir uma norma rígida, nos moldes de alguns autores identificáveis. Estas propostas tinham sido levantadas por Mello e Román nas duas fases subseqüentes, quando estiveram no Tocantins. Coisa que, inevitavelmente, até hoje empregamos como facilitadores de teatro. Nosso dilema não seria único – assim como não deve – se estivermos imbuídos da verdade do teatro. Leituras, exercício de voz, corpo, alimentar o intelecto, abastecer-se de informação, mas de forma aproveitável. Humanos de teatro sabem o quão é dispendioso e desgastante desperdiçar ensaios. Quando não se tem um preparo cultural e psicológico, inserido nas circunstâncias em que nos encontrávamos, é muito pior. Paulo, João e Anselmo assumiram uma postura de líderes no quesito de aulas teatrais. Saí-me bem como produtor e coordenador de projeto, mas a experiência como diretor do espetáculo não foi das melhores.

A consolidação de um grupo não representa necessariamente sua integridade. A coesão significa experimentar dissabores e aprendizado. Um fator é claro: poucos momentos de alegria, contando, lógico, com aplausos ou palavras otimistas que circundam ator e platéia quando o evento é representativo. Com ânimo suficiente para atuar – o que nem sempre ocorre – as coisas podem ganhar outra direção. O que acontece muitas vezes é não estar totalmente vinculado ideologicamente ao projeto executado.

A função teatral, tratada aqui, nasceu com atores atuantes em suas localidades (comunidades), o que não significa que o processo estivesse às claras para todos. O MNLM, por dois anos, modificou a relação de convênio – sub-utilizada por mecanismos políticos simpáticos à causa do movimento. Levantar bandeiras sem um entendimento claro em determinadas circunstâncias torna o trabalho dificultoso.

O fato é que não trabalhamos com um diretor fixo. O processo criativo de um grupo teatral passa por várias etapas – desde que se exija o necessário – na constituição dos projetos, o que no geral depende da maturidade do elenco. O apoio técnico dado por Mello não foi suficiente, depositamos todos os cuidados em seu trabalho, mas isso não ocorreu, pois o tempo em que passamos juntos na consultoria foi insuficiente. Em 2004 não havia mais interesse de ambas as partes em continuar a parceria. Minha apreensão maior sempre foi manter o elenco coeso. Alguém tinha de tomar esse posto, e, literalmente tornar prática fixa certas obrigatoriedades. A consciência de grupo – estar artista ou estar ator – não é prerrogativa de ninguém. É uma obrigação. Tal maturidade poderia permitir, desde um primeiro momento, que um dos atores assumisse a direção.

Processo criativo e ensaios

Quando um investimento é feito por um elenco, desenvolve-se cotidianamente o viés da formação teatral. Cogitamos adaptar o texto para o inglês e castelhano, quando determinados planos foram colocados em prática – sentimos a necessidade de levar o espetáculo para regiões bem distantes, quando na ocasião, soube que Leonardo Guirao estava solicitando textos teatrais para que grupos africanos pudessem montá-los em seus respectivos países. Obviamente, não tínhamos maturidade suficiente para levar adiante tal empreitada. Nosso problema, a princípio, era manter a integridade do elenco, mas, com o tempo, percebemos que, para dar continuidade às nossas atividades de pesquisa, ensaios e estudos, fazia-se necessário um orientador.

Com um pouco de recursos que havia no orçamento do projeto, contratei José Iramar35, que já vinha desenvolvendo atividades como diretor teatral para o projeto Arte Fato36, no qual o elenco fazia parte paralelamente ao trabalho da prevenção. Com a iminência de que o PN-Aids viesse a realizar a 3ª Maratona de Teatro em Aids, comecei a estimular no grupo essa necessidade.

O teatro essencial para qualquer ator é aquele que estimula sua auto-reflexão. Os ensaios precisavam tornar-se uma rotina obrigatória. Dividimos, a priori, os ensaios da seguinte maneira: terças e sextas-feiras: das 16:00 às 18:00 horas.

Fazíamos ensaios corridos. Esta etapa de desenvolvimento cênico, que chamamos "bater o texto", nomenclatura simplificada. "Passar as cenas", "dividir quadros" (ou unidades) e "pegar tal cena", são termos bastante comuns no trabalho coletivo. Quando José Iramar começou a trabalhar conosco, cada um reorganizou suas atividades paralelas (faculdade, outros espetáculos, cursos) para que o diretor pudesse estar presente em pelo menos dois ensaios. Claro, com o tempo sua agenda foi comprometida por outras atividades, e a falta de recursos disponíveis para manter a assessoria tornou-se um dilema: não tínhamos mais dinheiro para manter o projeto com uma equipe maior. Por essa época, os ensaios já ocorriam da seguinte forma: terças e sextas-feiras: 19:00 às 22:00 horas.

As apresentações foram priorizadas para os fins de semana – como as demais para o horário noturno –, mas isso só acontecia quando a agenda do grupo estava bem requisitada. Entre novembro e dezembro de 2004, finalizamos um convênio com a Secretaria Estadual de Saúde para apresentações nas escolas estaduais e municipais, reforçando a campanha nacional de luta contra Aids para o dia 1º de dezembro. Como já foi dito anteriormente, esta apresentação foi a primeira que deu projeção ao grupo na cidade. Embora a parceria resultasse num projeto da Coordenação Estadual de DST/Aids, o vínculo entre Ong37 e Estado, com o passar do tempo, não obteve o êxito político que esperávamos.

Entre as maiores dificuldades encontradas pelo grupo no decorrer desse processo estavam as demandas e as localidades onde deveríamos levar a peça. Atrasos de transporte, dificuldade para manter o equilíbrio do espetáculo com platéias mais adversas. Falta de organização e desentendimento das propostas do grupo, acabaram se tornando – para nossa infelicidade – rotina quando apresentações eram agendadas. Sempre tínhamos que nos precaver para problemas de última hora.

Teatro não é brincadeira. A responsabilidade cênica, independente do espaço físico, torna-se uma precaução forçada de muitos grupos amadores. Claro que o estágio teatral alcançado pelo grupo manteve a perspectiva de tal coisa. Como notara, certa vez, Marlúcia Barcelos, coordenadora estadual de DST/Aids à época em que o grupo esteve participando da campanha de prevenção nas escolas da rede pública:

"Acreditamos no teatro como essa ferramenta nova, cheia de vida, onde a arte de representar auxilia nas informações concernentes nos trabalhos de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis. Se o grupo se comprometer a buscar recursos paralelos ao projeto teremos muita chance de crescer no Estado. Seria viável buscar fontes de renda em outras instituições e organizações não-governamentais".

As oficinas teatrais em que o elenco participou durante seu processo de formação foram importantes. Embora, nesta região, o isolamento geográfico seja fator preponderante para a pluralidade e avanço de uma pesquisa.

O trabalho corporal desenvolvido por Anselmo Martins encontrava uma certa disparidade metodológica no restante do grupo. Conforme vimos em M. Chekhov38, o exercício corporal do ator na atividade peculiar e estética não representa necessariamente uma linguagem mais ríspida para o corpo do ator. Muitas são as técnicas utilizadas, como lutas marciais, variações de treinamento em fisioterapia, relaxamento muscular, yoga etc. Alguns grupos – particularmente os de dança e balé clássico – estruturam um corpo estético para seus trabalhos individuais e/ou de grupo para desenvolver o que chamamos de método interno: ou seja, a forma como um grupo se organiza para desenvolver seu trabalho teatral.

Paralelo a esta experimentação tem-se o percurso intelectual dos atores – o que me compete dizer imprescindível em relação à expressão corporal; esta, fundamental para o organismo do artista. Flexões, apoios e acrobacias só têm seu devido mérito se o ator estiver preparado intelectualmente. A carpintaria teatral (ator, texto, objetivo) resulta de um amálgama no drama encarnado, por assim dizer. A parte textual do dramaturgo deve atingir a tradução artística plena: sermos a voz do autor. Essa prática, obviamente, é símbolo de muitas interpretações, dependendo do diretor e seus métodos. O ator João Welson – um dos mais talentosos, inclusive – após consenso geral, foi designado para trabalhar a linha humorística do grupo (já que o espetáculo se encaixava no gênero tragicômico). As nuances necessárias e tempos de fala atendiam a uma forma expressiva que exigia estudo característico.

Conforme oficina realizada com a Companhia de Teatro Nu Escuro39, começamos a dar mais notoriedade aos aspectos da comédia que a autora criou em seu texto. É o que posso denominar de humor sutil. Algumas cenas foram trabalhadas com mais ênfase (quadros 5, 6 e 7), organizando a visão dos atores sobre a peça. Posso dizer que este trabalho não gerou frutos suficientemente. Uma coisa é avançar pela necessidade natural do conhecimento. Estímulos não faltaram. Agora, não desenvolver a visão e dar espaço ao comodismo, falseando-se por modismos e arquétipos é muito fácil.

Dinheiro em caixa não significa aproveitamento cultural suficiente para alcançar o profissionalismo artístico. Muitos optam por se tornar os melhores entre os amadores, e, às vezes, – mesmo reconhecendo a importância do teatro amador – tinha dúvidas se os retrocessos cometidos neste sentido eram maiores, se levarmos em conta as divergências internas entre os atores, fruto do mais puro amadorismo não-declarado. Em 2004 trabalhamos com uma verba equivalente a R$ 39.000,00 para ser utilizada de fevereiro a dezembro, liberada conforme o edital do Programa Nacional de DST/Aids.

Outro ponto importante a ser relevado é a falta de administração financeira exercida por nós sobre o projeto (claro, levando em conta as verdadeiras razões que propunham algumas pessoas sobre o "uso" do recurso). Fator que propiciava uma relação delicada entre MNLM e DST-Zudos. Essa não foi causa determinante para o fim do grupo, mas preponderante.

Conclusão

Só muito recentemente o teatro passou a ocupar a cena em atividades dirigidas à inclusão social neste país. Desta forma, o trabalho mostra uma demanda crescente numa sobrevida necessária à criação teatral brasileira. As possibilidades de diversificação das artes cênicas brasileiras e seu paralelo na contribuição para com medidas sócio-educativas existentes para a melhoria da qualidade de vida. A história do teatro está repleta de inúmeras mudanças significativas, apoiadas num referencial estético, uma rigorosa busca identitária cultural, dada a sua amplitude de "sociedades". Se olharmos ao redor de nós mesmos, o futuro que presencia o teatro é o mesmo que dignifica nossa trajetória histórica.

Felizmente, o teatro se preocupou com os problemas sociais de uma república tardia na contemporaneidade. Então cabe a pergunta: o lúdico diminui a dor? Abrevia a rispidez da ausência emotiva estimulada em nossa sociedade? Isto parece ser uma pergunta utópica, mas se olharmos a cultura da Aids no Brasil, pouca coisa tem sido feita para acabar com o preconceito em relação à doença, pelo menos no que se refere às esferas de poder público e sociedade civil.

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura Plena em História do Campus de Porto Nacional da Universidade Federal do Tocantins, sob orientação da Profª Dra Ana Lúcia Gomes Muniz, para a integralização dos créditos necessários à obtenção do grau de Licenciado em História.

Porto Nacional

Setembro de 2006

 

 

Autor:

Paulo Milhomens

[1] Trabalho apresentado como requisito para obtenção do grau de licenciado em História pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

[2] Cf.: NAVES, Rubens. Novas possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla B. (Orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.

Partes: 1, 2
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