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Prisão provisória. (página 2)

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3. A razão intrínseca da prisão provisória: o princípio do devido processo legal

Levanta-se, mais uma vez, a hipótese de que o princípio do devido processo legal é a razão intrínseca da prisão provisória, pois como já foi visto, eles são intimamente ligados. O princípio do devido processo legal, fruto de uma evolução sociológica e histórica, reflete as características da sociedade em que está inserido, sendo essencial e peculiar à prisão provisória constitucionalmente legitimada. Verifica-se por isso o seu mérito, em todo argumento que vise justificar a prisão provisória como racional e válida, dentro do moderno paradigma do Estado Democrático de Direito, ao qual se filia a Carta Magna brasileira de 1988. A natureza da prisão provisória é animada pelo princípio do devido processo legal, já que ratio est anima legis, et veritas habetur per rationem, a razão é a alma da lei, e a verdade se tem pela razão. Na expressão de LUCRÉCIO CARO (1980), "os fatos darão luz aos fatos" (p.45), ou seja, o fato de se respeitar o princípio do devido processo legal é pressuposto para o fato da existência da prisão provisória, dando-lhe a luz da racionalidade, da essencialidade ao império da lei e exultando a veracidade da justiça.

Aspectos gerais do princípio do devido processo legal As Constituições, como Cartas Supremas da vontade dos povos, devem sempre estar atentas às questões jurídico-processuais, pois são elas as normas capazes de manifestar o direito material das pessoas de maneira concreta, humana e digna. O processo é o instrumento que torna materializado o direito in abstracto pertencente à pessoa, e o princípio do devido processo legal constitui-se, como afirmam CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO (1999), "em garantias (…) que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição" (p.82). Através do respeito ao princípio do devido processo legal, o processo passa a ser justo a partir do momento em que diz o direito, tendo seu significado, de acordo com CALHAU (2000), na "possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível" (p.6). Desse modo, uma Constituição baseada no magno direito de eqüidade deve sempre ter como escopo a criação de garantias fundamentais, para que todo o processo de concretização dos direitos seja justo. Em outras palavras, deve tornar plausíveis os mecanismos decorrentes do princípio do devido processo legal. Esse princípio consiste, sucintamente, na adequabilidade dos procedimentos do processo, isto é, todos eles devem estar devidamente ligados aos preceitos constitucionais que os regem, e devem ter como finalidade suprema a realização do direito material existente, o que pode também ser traduzido como a manifestação mais límpida da justiça. De acordo com MIRABETE (1997), a origem do princípio do devido processo legal "remonta à Carta Magna inglesa, de 1215, em que se estabelecia a garantia de que a aplicação da sanção só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra" (p.27). Essa é a verdadeira assunção da lei como medida de eqüidade, que foi criada para a proteção dos nobres ingleses contra as arbitrariedades do Rei.

A Constituição Federal de 1988, como Lei da terra brasileira, segue a linhagem da eqüidade no processo, estendendo-a a todas as pessoas e proclamando, como já foi explicitado anteriormente, que ninguém será privado da liberdade pessoal sem o devido processo legal. Assim sendo, GRINOVER (1985) explica em que consiste o princípio do devido processo legal na Constituição: "garantia das partes e do próprio processo: eis o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do devido processo legal" (p.7). Percebe-se que a maior garantia para que haja justiça entre as partes é a própria preservação do processo, proporcionada pela correta aplicação do princípio do devido processo legal. Isso elucida porque a prisão provisória, quando aplicada segundo os preceitos do referido princípio, não consiste em arbitrariedade estatal, e muito menos em atentado contra a liberdade da pessoa. Trata-se, quando configurados os seus requisitos, de garantir que os direitos pessoais constitucionalmente previstos não sejam usurpados, e como bem explica GRINOVER (1985), se o princípio do devido processo legal "constitui a própria garantia da regularidade do processo, da imparcialidade do juiz, da justiça das decisões" (p.7), fica legitimada a aplicação do instituto da prisão provisória, uma vez embasada nesse princípio maior. Em suma, o princípio do devido processo legal determina que todas as arbitrariedades provenientes do Estado contra a pessoa devem ser abolidas, regulando a correta aplicação da lei, em especial da lei processual penal, onde se consubstancia a prisão provisória. As assertivas de GRINOVER (1985) ainda resumem de maneira louvável a importância do princípio do devido processo legal, ipsis litteris: "As garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias de jurisdição e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia de imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para obter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subsistente" (p.8) Têm-se, em conseqüência desse procedimento, a materialização da boa prestação jurisdicional, o que é fundamental para legitimar a prisão provisória. Havendo a garantia de que o resultado da jurisdição se adequará plenamente ao direito material existente, não há porque se temer a aplicação da prisão provisória nos casos cabíveis. Sempre deve haver, contudo, imparcialidade e cooperação, e caso não se configurem os requisitos da prisão provisória, ou se atente contra o princípio do devido processo legal, o remédio indicado será sempre a instituição da liberdade provisória, o que acaba por confirmar ainda mais esse princípio como defensor da dignidade. Violando-o a qualquer momento, a prisão provisória precisa ceder espaço à liberdade provisória, o que significa que é a arbitrariedade é substituída pela dignidade.

Compreende-se que, a partir do momento em que as diretrizes do princípio do devido processo legal são aplicadas, legitima-se a prisão provisória, garantindo-se o perfeito andamento da jurisdição. O processo jurisdicional se torna mais viável em seus aspectos principais, protegendo o imputado e lhe garantindo o pleno exercício de seus direitos. Sobre isso, existem casos em que os indícios da autoria do crime são tão veementes que o princípio do devido processo legal, aliado à aplicação da prisão provisória, permite a possibilidade de defesa do imputado, através da invocação do princípio da imparcialidade. BRICHETTI (1973) ensina que "as práticas medievais afirmavam justamente que o flagrante delito (…) não podia ser negado pelo réu (…), e a lei autorizava para os delitos flagrantes uma forma especial de procedimento: o juízo sumário" (p.167-168). Nota-se uma clara afronta contra a garantia da pessoa de exercer uma defesa justa, o que é requisito essencial para a existência da prisão provisória, intrinsecamente embasada pelo princípio do devido processo legal. Percebe-se que, além disso, as ponderações a respeito da necessidade de se aplicar a prisão provisória devem ser feitas sempre por juízos imparciais, e não sumários, cujo envolvimento com a situação do flagrante delito tem grandes chances de ser parcial. TOURINHO FILHO (1999) disserta sobre o princípio da imparcialidade, afirmando que "trata-se de verdadeira garantia em respeito ao direito que as partes têm de ser julgadas por Juiz imparcial. E essa imparcialidade proporciona uma indissimulada conotação ética ao processo" (p.45, v.1).

Para que exista eqüidade, o processo de aplicação da prisão provisória ao caso concreto deve ser pautado pelo eixo da imparcialidade, o que legitima e enriquece eticamente o instituto da prisão provisória. Esta terá razão de ser aplicada, quando um juízo imparcial assim o determinar, tendo em vista seus requisitos e o pleno respeito às demais construções do princípio do devido processo legal; caso contrário, não haverá razão, pois não terá havido imparcialidade, o que implica a conclusão de que não houve embasamento no princípio do devido processo legal. Assim, torna-se plenamente possível ao imputado, pleno de todas as garantias que lhe são devidas, pleitear por sua liberdade, se já não lhe foi concedida por outros meios existentes, como o habeas corpus. A prisão provisória, sustentada pelos sólidos alicerces do princípio do devido processo legal, é um instituto essencial à ordem jurídica, pois seus fundamentos extrínsecos, já explanados, são muito importantes para configurar-se o império da lei. Por outro lado, a prisão provisória não pode ser um instrumento de arbitrariedade do Estado sobre a pessoa, sob pena de estar-se comprometendo toda a solidez do princípio da dignidade contido no paradigma do Estado Democrático de Direito. Deve-se, outrossim, preconizar a estrutura dialética do processo, onde se garantam os direitos da coletividade e também os direitos individuais, permitindo-se a reunião entre eqüidade e direito material, isto é, concretizando a justiça pela verdade dos fatos. É esta a razão intrínseca da prisão provisória: a garantia de que, em todas as suas modalidades, seja corretamente aplicado o princípio do devido processo legal, e que essa aplicação se reverta em benefício de eqüidade para o imputado e para a sociedade.

A prisão provisória e os elementos constitucionais do devido processo legal São inúmeros os elementos do princípio do devido processo legal no seio das relações processuais, formadas jurisdicionalmente. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 elegeu alguns destes elementos, e por sua intrínseca relação com o instituto da prisão provisória, eles merecem destacada importância, pois são legitimadores e regentes da sua aplicação aos casos concretos. O princípio do contraditório e da ampla defesa relacionados à prisão provisória O princípio do contraditório, dado o seu realce dentro do processo, constitui um dos alicerces fundamentadores do princípio do devido processo legal. Devido a isso, foi elevado a dogma constitucional, assim proclamado: Art. 5o, LV. aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Consiste o contraditório no direito que o acusado possui de opor-se às alegações feitas em seu prejuízo, dentro do processo. Além disso, GONÇALVES (1992) demonstra que o princípio do contraditório determina "a igualdade de oportunidade no processo, (…) que se funda na liberdade de todos perante a lei" (p.127). De acordo com GRINOVER (1985), "o contraditório, como contraposição paritária e forma de cooperação das partes no processo, importa no necessário equilíbrio dos ofícios da acusação e da defesa" (p.25), permitindo que se possa extrair desse equilíbrio a própria justiça.

Esse princípio é fundamental para a verificação da legitimidade da aplicação da prisão provisória, pois tem o imputado o direito de contestá-la, principalmente quando constatada qualquer arbitrariedade. Cabe-lhe a garantia de contradizer as alegações e ver-se em condições de aproveitar a liberdade provisória, se possível. Da mesma maneira, existe o princípio da ampla defesa, que funciona em simbiose com o princípio do contraditório. O princípio da ampla defesa garante ao imputado todas as condições necessárias para provar que suas afirmações condizem com a verdade dos fatos, através da liberdade e igualdade processuais. TUCCI (1993) determina que "se deverá conceder ao ser humano enredado numa ´persecutio criminis´ todas as possibilidades de efetivação da ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude" (p.205). Percebendo o imputado que alguma modalidade de prisão provisória foi-lhe imposta, deve possuir o direito de defender-se das acusações, por todos os meios possíveis, e pleitear a sua liberdade.

Pode-se concluir que os princípios do contraditório e da ampla defesa coroam a legitimidade da prisão provisória. A sua natureza intrínseca é basicamente esta: quando aplicada, deve possibilitar ao imputado a defesa que lhe é justa e de direito, segundo o princípio do devido processo legal. BASTOS & MARTINS (1989), ao dissertarem sobre o flagrante e a prisão preventiva, modalidades importantes de prisão provisória, lecionam que, "na hipótese de (…) surgirem medidas deste jaez, plenamente constritivas do direito de liberdade da pessoa, tornam-se de imediata aplicação os institutos constitucionais destinados à proteção do direito de locomoção" (v.2, p.269-270). Entendendo-se o direito de locomoção como elemento do direito à liberdade, os princípios do contraditório e da ampla defesa devem estar presentes, tanto na prisão preventiva quanto na prisão em flagrante, e nas outras modalidades de prisão provisória.

A proibição das provas obtidas por meios ilícitos Outro elemento constitucional do princípio do devido processo legal, relacionado à prisão provisória, é a proibição das provas obtidas por meios ilícitos, pois, como demonstra DEMÓSTENES (1957), "é falaz e precário tudo que não esteja de acordo com as normas da justiça" (p.100). À luz da Carta Magna de 1988, qualquer prova obtida contra o imputado de maneira ilícita é considerada proibida e irrelevante. Destaca o seu artigo 5o, LVI: Art.5o, LVI. são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Essa garantia é parte integrante do princípio do devido processo legal, e está intimamente relacionada aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Como dizem GRINOVER & FERNANDES & GOMES FILHO (1996), "o direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, por estar inserido nas garantias da ação e da defesa e do contraditório, não é absoluto, encontrando limites" (p.112-113). Esses limites são configurados pela liceidade das provas, e exatamente por isso os referidos autores argúem que "a prova é vedada sempre que for contrária a uma específica norma legal, ou a um princípio do direito positivo" (p.116). No processo não devem ser aceitas provas que atentem contra as determinações do ordenamento jurídico, e portanto não é válida a prisão provisória, quando seus requisitos estão viciados pela coleta ilícita de provas, pois viola-se sua natureza intrínseca. O princípio do devido processo legal condiz com o respeito aos direitos fundamentais da pessoa, além de possuir uma concreta ligação com a verdade real. A prova ilícita transforma o processo em um conjunto de atos parciais, que já têm em vista a condenação prévia do imputado, e assim, a eqüidade fica maculada pelo ilícito, o que não é aceitável, tendo em vista o paradigma constitucional democrático brasileiro.

Se uma prova é forjada, dificultando a defesa do imputado de maneira injusta, torna-se impertinente que lhe seja sancionada qualquer espécie de prisão provisória. Encontra-se um exemplo claro desta afirmação, explanado por BITENCOURT (2000). Segundo ele, no flagrante forjado "os policiais criam provas de um crime que não existe. (…) Ocorre (…) quando agentes policiais enxertam no bolso de quem estão revistando substância entorpecente. É evidente a inexistência do crime; o que há efetivamente é o abuso de autoridade" (p.371). Nesse caso, existe verdadeiramente uma afronta contra a dignidade da pessoa, o que determina a completa ilicitude do ato. A preservação do processo, com o conseqüente respeito ao princípio do devido processo legal, determina que as provas obtidas por meios ilícitos devem ser banidas, a bem da correta aplicação das modalidades de prisão provisória cabíveis a cada caso.

A afirmação do estado de inocência Também o estado de inocência é um elemento essencial do princípio do devido processo legal. Dada sua importância, ela está presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, que proclama: Art.11. Todo acusado de uma ofensa penal tem o direito de ser presumido inocente até provada sua culpa, de acordo com a lei, em julgamento público onde ele possua todas as garantias necessárias para sua defesa. Determina a Constituição Federal de 1988 que: Art.5o, LVII. ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Essa é uma virtude consagrada pela Carta Magna de 1988: em nenhum momento, estando sob a imposição de qualquer modalidade de prisão provisória, pode o imputado ser considerado culpado antes da sentença condenatória. Trata-se de uma grandiosa garantia, que permite à pessoa não só realizar os atos de defesa que julgar necessários, como também manter sua dignidade pessoal, característica marcante do Estado Democrático de Direito. BASTOS & MARTINS afirmam que o estado de inocência "é uma constante no Estado de Direito (v.2, p.277), chegando mesmo a tangenciar a obviedade" (v.2, p.277). MIRABETE (1997), ao mencionar o artigo supra citado, considera que, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, existe um "estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja considerado culpado" (p.43). Dentro do estado de inocência, GOMES (1996) ensina que "todas as medidas coercitivas antes ou durante o processo só se justificam quando há extrema necessidade, fundadas em fatos concretos" (p.386). Eis mais um fator legitimador da prisão provisória, configurado pelo respeito ao estado de inocência. Se a ética no processo determina o estado de inocência do imputado até o seu sentenciamento, mesmo que todos os requisitos da prisão provisória estejam configurados, ela só é cabível caso não se ofenda essa garantia, uma das guardiãs constitucionais da dignidade da pessoa. Nos dizeres de CUNHA & BALUTA (1997), "o princípio constitucional não veio com a finalidade de impedir a prisão antecipada, mas sim, para reforçar-lhe o disciplinamento de sua decretação" (p.111). É, em suma, uma dos benefícios máximos proporcionados pelo princípio do devido processo legal, e por consegüinte, legitimador do instituto da prisão provisória.

Liberdade e prisão provisórias A liberdade provisória é, da mesma maneira, um instituto consagrado pela Constituição Federal de 1988, que dispõe: Art.5o, LXVI. ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Essa é uma medida que visa garantir o estado de liberdade do imputado, nos casos previstos em lei. É possível basear-se nos termos de MORE (1966), sem nenhuma utopia, para caracterizar a liberdade provisória como uma instituição que "tem por finalidade impedir (…) de conspirarem contra a liberdade" (p.86). De acordo com BARROS (1982), "a liberdade provisória (…) ocorre para evitar a prisão provisória ou a substituindo (…), melhor preservando o ´status libertatis´do indiciado ou acusado(…)" (p.286). O imputado, sobrevindo a liberdade provisória, ganha o direito de permanecer livre durante o processo. Pode-se considerar a instituição da liberdade provisória como o ápice da legitimidade da prisão provisória. Isso ocorre porque a liberdade provisória é uma solução contra possíveis arbitrariedades do Estado, em casos onde não estejam configurados os requisitos essenciais para o emprego da prisão provisória. É o cume do respeito ao princípio do devido processo legal, intrinsecamente vinculado à instituição da prisão provisória, consistindo na garantia de que esta instituição só será aplicada quando realmente necessária. Segundo GOMES (1994), "cabe ao juiz criminal recusar a aplicação a toda legislação restritiva (…) ou ofensiva às liberdades fundamentais" (p.126). Exatamente por isso, a validade do emprego das modalidades de prisão provisória está determinada pelo respeito ao conjunto harmônico do ordenamento jurídico. Hierarquicamente superior, a Lei Maior de 1988 consagrou a figura da liberdade provisória, para garantir o direito à liberdade da pessoa, e a instituição da prisão provisória só é empregável quando não atenta contra essa garantia, mesmo porque, de acordo com BAUMANN, citado por BITENCOURT (2000), "a liberdade é um bem jurídico extremamente valioso para ser sacrificado desnecessariamente" (p.445), e beneficium iuris nemini est denegandum, o benefício do direito a ninguém se deve negar. BATISTA (1985) leciona que "o ‘status’ de inocência do (…) indiciado não permite a imposição de qualquer restrição à sua liberdade, que não seja absolutamente necessária. A prisão provisória, não sendo uma pena antecipada, só assim se justifica. A liberdade provisória é um direito, (…) não um simples benefício" (p.117-118). Logo, existe a prisão provisória nos casos onde não se configura a liberdade provisória, pois o princípio do devido processo legal, intrinsecamente ligado às duas, determina que não devem existir arbitrariedades do Estado contra a liberdade da pessoa, o que conseqüentemente restringe o emprego da prisão provisória, quando não é cabível a liberdade provisória. Nesses momentos, presentes os seus requisitos e respeitados todos os elementos do princípio do devido processo legal, a prisão provisória ganha plena legitimidade, e indiscutivelmente, sua razão.

4. Conclusões

1. O Estado Democrático de Direito, com todas as garantias que proporciona à pessoa humana, atende, como uma de suas funções primaciais, à obtenção da justiça, mediante a plena afirmação dos direitos proclamados constitucionalmente. 2. O processo penal, pertencente ao ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito, exige que as garantias constitucionais sejam respeitadas, como maneira de proporcionar a dignidade e a liberdade, inerentes à própria pessoa. 3. A prisão provisória, consubstanciada em um processo penal justo, também deve possuir o escopo da justiça. Logo, presentes os seus requisitos, ela possui plena validade, se não atenta contra as garantias previstas na Constituição. 4. As justificativas extrínsecas da prisão provisória, dentre as quais se destaca a colaboração para o sucesso da função jurisdicional, só a legitimam a partir do momento em que têm como fundamento um fator intrínseco, consistente no princípio do devido processo legal. 5. Portanto, o princípio do devido processo legal forja a justa aplicação da prisão provisória, quando, nos casos concretos, são configuradas suas exigências. É a razão intrínseca, sendo-lhe peculiar e animando-lhe com o espírito da eqüidade nos momentos oportunos. 6. Com o acrisolamento do Estado Democrático de Direito, pode-se afirmar de maneira convicta que, se os elementos do princípio do devido processo legal são condições para a própria existência da prisão provisória, os fecundos sulcos da justiça crescem contante e incessantemente, passo a passo com o sentimento de dignidade da pessoa. 7. Para se proclamar a dignidade, fiat ius et fiat lux iustitiae, faça-se o direito e faça-se a luz da justiça, como sinal da consciência de liberdade própria de cada pessoa. E o respeito ao princípio do devido processo legal, que configura a natureza intrínseca da prisão provisória, é uma sólida prova de que os caminhos da justiça estão sendo percorridos corretamente.

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Autor:

Naves Thiago

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