Descargar

As Redes de Significados em Sala de Aula (página 2)

Enviado por adonai


Partes: 1, 2

Ao lado dos meios de comunicações há uma complexa teia de relações sociais que, iniciando-se na família, passa pela escola, atividades culturais e de lazer, todos contribuindo para a aprendizagem permanente. Não há mais fronteiras geográficas. A experiência de todos é compartilhada. A abundância de informações acessíveis chega a ser problema no discernimento do que é necessário aprender para enfrentar a vida adulta. A escola neste cenário também é atingida na turbulência da enxurrada de informações e de sua própria obsolescência: a permanente e urgente atualização dos professores é necessária, pois este é um tempo em que as habilidades de seus alunos já os ultrapassaram (CEBRIÁN, 1999:119). São estimulados a todo instante, nas ruas, em casa, aguçando o seu sensorial, propiciando o desenvolvimento das Múltiplas Inteligências (GARDNER, 1994) e colocando em xeque procedimentos racionais comuns às escolas de hoje. Os videogames, tridimensionais, ensejam dificuldades que devem ser transpostas e que exigem raciocínio especial e diferente do usual. Convivem com uma facilidade na obtenção de informações das mais variadas, num campo caótico: a Internet. É possível o acesso às informações via Internet de uma forma prazerosa e interessante, mas o aluno deve ser orientado em como escolher, analisar, organizar e priorizar os dados para obter as informações necessárias para a construção de um novo conhecimento. Esta priorização é fundamental para que a avalanche de informações disponíveis no mundo não dificulte a reflexão e a análise que podem levar à assimilação do conhecimento (CORTELAZZO, 1996:33).

O som e a imagem, processados juntos, dão mais significados ao conhecimento, dando-lhe uma dimensão mais diversificada do que se fosse aprendido, somente pela escrita. A televisão, o computador e os videogames contribuem para que estes jovens tenham uma nova forma de pensar e de ver o mundo e, conseqüentemente, de aprender (WOLF, 1997:1). Há uma facilidade na coleta de elementos que uma vez organizados, após serem analisados e experimentados, segundo o ponto de vista de quem o está processando, transformam-se em informações e que trabalhadas podem vir a ser um novo conhecimento (CORTELAZZO, 1996:33).

O desempenho na aprendizagem será maior tanto quanto forem mais numerosas e profundas as experiências com os canais de comunicações, visto que não necessitam da manipulação de conceitos abstratos. O conhecimento se dá mais facilmente se as informações vierem por canais de comunicações que abranjam o "o-que-se-quer-aprender" sobre vários aspectos, captados segundo as necessidades e características de quem aprende (FREITAS, 1997:2).

Esta nova maneira de aprender é motivo de escritos por parte de pesquisadores como Kerckhove (1995), que afirma que a TV fala primeiro ao corpo e não à mente. As mensagens atingem o sistema nervoso e as emoções de tal forma que, mesmo que a mente divague, o sistema neuromuscular se encarrega da atenção às imagens, não havendo tempo suficiente para a interação das informações a um nível de consciência completo. Pode haver uma nova forma de atenção e de percepção (KERCKHOVE, 1995:38). Há uma exigência de adaptações constantes e inesperadas aos estímulos perceptíveis, pois as mudanças nas apresentações das informações são rápidas e aceleradas. Para criar sentido nesta rapidez, o audiovisual segue a ação através de uma espécie de mímica sensomotora envolvendo o corpo (KERCKHOVE, 1995:42).

Antes mesmo de aprender a ler e escrever, a TV ensina às crianças a "aprender a aprender" através de olhadelas rápidas, ao invés do acompanhamento seqüencial. Desta forma, no ato de ler o texto escrito, as crianças podem estar, no movimento de olhadelas rápidas, recolhendo fragmentos de imagens, procurando dar sentido ao escrito. A partir destes fragmentos, tentam generalizar e ter a compreensão do visto (KERCKHOVE, 1995:46). Leitura sofrida, pois o processo é diferente da leitura usual que necessita de regras e da linearidade para a sua compreensão. Mudam-se estas regras?

BABIN (1989:12) também sugere que o impacto das mídias sobre a sociedade fez surgir uma nova cultura que sendo, inicialmente, uma mistura da existente e da que surge, determina uma interpenetração das duas linguagens. Afetividade, raciocínio analógico e assaltos inconscientes são características desta nova cultura. O ritmo, as imagens, o som e as vibrações são os ingredientes básicos e os conceitos onde estes ingredientes carecem, motivam nos audiovisuais a falta de atenção e de concentração (BABIN, 1989:24). Seres acostumados com a TV passam muito tempo em frente ao vídeo. Porém isso não os constitui seres passivos; ao assistirem a TV, a iniciativa e a imaginação, embora modificadas, permanecem: os conteúdos dos programas despertam neles vivas relações. O fato do impacto da mídia ser muito forte para a subjetividade das crianças determina aí a passividade, pois o que dita os comportamentos a serem seguidos são as propagandas, as escolas e os pais, não permitindo a eles ouvirem as próprias idéias. Esta conformidade com o sistema ¾ sem o poder da crítica ¾ é que os torna passivos(BABIN, 1989:29). O homem audiovisual raciocina diferente. Coloca a distância e o tempo numa mesma ordem, nivelando o mundo, determinando um novo tipo de ordem e de abordagem intelectual. Não processam o raciocínio que lhes ensinamos porque não faz avaliações como nós.

As revistas, o rádio, a TV e o cinema constituem modelos para sua linguagem. Falam mais do que escrevem; vêem mais que lêem e sentem antes de compreenderem. "Mixando" sons, palavras e imagem, vão construindo esta linguagem utilizando-se da dramatização para que haja ação nas comunicações. O rigor conceitual é trocado pelos sons das palavras e a mímica e as imagens verbais substituem os raciocínios e vão dando sentidos às frases. Através de visões rápidas e sucessivas, como um "flashing", constroem uma lógica para esta linguagem. A soma destes "flashs" é que colocará a ordem no caos; desta forma, chega-se à imagem final. Lêem apenas o que pode ser visualizado e o que pode ser traduzido pela mímica no rosto, pela expressão corporal, em cenário e em ação (BABIN, 1989: 39).

Dentro deste panorama, na possibilidade de uma nova maneira de pensar, é oportuno ter uma visão da construção do conhecimento envolvendo um novo paradigma que atenda às novas formas de aprender dos indivíduos. A estes não se ensina como se ensinava os de nossa geração, filhos da escrita e da linearidade. Com o pensar diferente, fazem conexões entre conceitos, inferindo novos. Tem gosto pela pesquisa e a fazem, em casa, sem o pedido ou permissão da escola, via internet. Navegam em um universo maravilhoso de informações e, desta forma, a pesquisa tem gosto de aventura. A imagem faz parte de sua leitura. Ela vale por muitas frases e eles a entendem. O fantasma de pré-requisito foi afastado. Navegam em uma rede cujos nós são conceitos, cores e sons e o fazem entrando por qualquer nó. A compreensão e o significado têm nova dimensão. Aí estão os complicadíssimos games são jogados e resolvidos por eles com uma imensa facilidade.

Se a nós, os mais vividos, na escola cabiam o silêncio, imobilidade, registro, memória e reprodução, a eles cabem a expressão e a apreciação crítica dos fenômenos da sociedade. Assim examinaremos as noções de um novo paradigma para a construção do conhecimento e que carece de uma discussão mais aprofundada por parte dos educadores.

O Conhecimento Como Uma Rede de Significados

Da Filosofia, temos que conhecimento é o pensamento resultante da relação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Nesta relação, dialógica, Paulo Freire supõe um segundo sujeito pensante, tendo o objeto pensado a função de mediá-los através da comunicação. O objeto pensado não pode ser comunicado de um para outro, posto que não teria a função de mediador, por não ter significado significante. Desta forma, está eliminada a possibilidade de sujeitos passivos no ato de conhecer e para que haja comunicação entre os sujeitos, a expressão verbal ¾ os signos lingüísticos ¾ deve ser significativa. Não se estabelece a comunicação se há a "extensão do pensado, de um sujeito a outro", isto é, se um dos atores da comunicação comunica o que pensou a respeito do objeto ao outro. A realidade é a mediadora entre os homens que atuam, pensam e falam dentro de um "quadro significativo comum" aos interlocutores. Deste modo, pensando em educação, ela não pode ser um ato envolvendo comunicados, posto que não haverá compreensão por não ter o significante significado para um dos sujeitos pensantes. Desta forma: "a educação é comunicação, é diálogo" (FREIRE, 1977: 69).

Lévy amplia a importância deste "quadro significativo comum" ao mencionar o contexto, uma vez que não o compreende como sendo uma ferramenta necessária à interpretação das mensagens, mas sim como alvo dos atos de comunicação. A cada nova situação, uma palavra, novas informações, o contexto é transformado dando margem a novos sentidos nas mensagens nele inseridas provocando novas conexões e desta forma novos sentidos, construindo-se assim uma verdadeira rede de informações que vai dando novos significados às informações reinterpretando a constituição dos universos de significados. Propõe a imagem de uma rede com pontos/nós, segmentos/conexões representando um envolvimento da escrita, imagens, sons, que modifica as formas de recurso à memória e integrando múltiplos canais perceptíveis.

CORTELAZZO (1996) define rede como "uma sucessão de nós, em que cada um é autônomo, mas se conecta ao outro para que, em conjunto, se completem e possam interagir entre si. Não existe uma centralidade, todos os nós são responsáveis pela continuidade da rede como um todo" (CORTELAZZO, 1996:119).

MACHADO (1995) hierarquiza as ações que participam do processo cognitivo na construção do significado, a saber: compreender e apreender o significado; apreender o significado de um objeto ou acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos; os significados constituem-se em feixes de relações; as relações enredam-se em teias construídas social e individualmente e em permanente atualização.

Esta imensa rede de significação constitui o Hipertexto. Os nós de uma rede que podem ser gráficos, palavras e textos, que conectados uns aos outros, ampliando as formas de se articularem as idéias, constitui-se em Hipertexto; se a ele juntarmos o som e a imagem, teremos a Hipermídia. Todas as duas são idéias metafóricas que, através da tecnologia, permitem a navegação, descortinando-se um mundo de significações e de simulações via Internet ou outras redes multimídicas. Conceitualmente, a metáfora do Hipertexto se refere a textos conectados uns aos outros dando maior sentido a eles próprios. Destas conexões emerge o sentido. Pessoas diferentes dão significados diferentes a mensagens idênticas, pois apesar do texto ser o mesmo, o hipertexto não é. O papel dos hipertextos é, portanto o de reunir textos e redes de significações aos quais os indivíduos vinculam outras redes de significações (LÉVY, 1993:70-73).

A metáfora de rede de significados contrapõe-se à idéia de linearidade na construção do conhecimento. Cada percurso entre os nós da rede é alternativo e cada caminho dá novas possibilidades de condução da ação pedagógica (MACHADO, 1995:140). A metáfora de rede contrapõe-se á idéia de cadeia, encadeamento lógico, linearidade na construção do conhecimento e conseqüentemente da idéia da necessidade pedagógica do pré-requisito, uma vez que o caminho entre os nós não é um percurso necessário, havendo trajetos alternativos para o caminho entre os nós. A significação é articulada em uma teia de nós e ligações, cada um se interligando em caminhos onde existe uma dualidade de interseções, entendendo-se daí que os nós são os significados, o feixe de relações, e as ligações são as relações entre os nós que podem ser de natureza dedutivas, funcionais e causais.

Para caracterizar o hipertexto, Lévy recorre a princípios, a saber, (LÉVY, 1993,21-27):

a)princípio da metamorfose: a rede de significações está em permanente transformação. A cada novo fato, nova conexão ela se altera trazendo nova significação ao fato. Ela pode permanecer estável durante certo tempo, estabilidade esta fruto de um trabalho na busca de novas conexões. O conhecimento exige uma capacidade de estabelecer relações entre elementos e de processá-los. Novas relações, novas interpretações irão alterar os feixes que compõem nos nós da rede. Na ação docente as estratégias devem caminhar no sentido de facilitar as novas conexões: novas informações, imagens, comentários, o senso comum e as experiências próprias e familiares, colocadas no contexto, poderão ser trabalhadas a fim de se assegurar a validade científica e a transformação da rede de significação de cada um;

b)princípio da heterogeneidade: há uma diversidade de conexões que podem ser estabelecidas entre temas ou objetos. Na memória são encontrados imagens, sons, palavras, sensações, modelos, etc., nas comunicações as mensagens serão multimídias, analógicas, digitais, etc. Depreende-se deste princípio o engano de se pretender a construção do conhecimento apenas pelos canais lingüístico e lógico-matemático, como registra GARDNER (1993) com seu trabalho acerca das Múltiplas Inteligências;

c)princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: as redes, organizadas de modo "fractal", isto é, qualquer nó ou conexão é composto por toda uma de rede também e assim sucessivamente indefinidamente, ao longo de uma escala dos graus de precisão. Um "pequeno nó" pode ser de grande importância para o significado de redes mais elaboradas;

d)princípio de exterioridade: o crescimento da rede, composição e recomposição, dependem de um exterior. Novas conexões, novas redes, informações, caracterizam a permanente abertura da rede hipertextual e do conhecimento em construção, ensejando que a distinção entre senso comum e conhecimento científico, conhecimento escolar e conhecimento teórico, se relativizado, talvez não existam;

e)princípio de topologia: as mensagens não circulam livremente. Tudo que se desloca deve utilizar-se da rede tal como ela é, ou modificá-la; funciona por proximidade. A idéia da proximidade entre significações é de grande importância e as distâncias entre elas são de caráter topológico. No trato pedagógico estas proximidades podem ser trabalhadas no sentido de se construir um conhecimento através de inferências;

f)princípio de mobilidade dos centros: as redes não têm centro ou um único centro. Os diversos centros são móveis e caminham de um nó a outro trazendo consigo ramificações que poderão completar o sentido de uma informação. Na ação pedagógica refere-se à mobilidade de centros de interesses momentâneos, que poderão determinar uma navegação pela rede de maneira mais prazerosa, colaborando para a construção do conhecimento em sentido amplo.

Este paradigma vê o conhecimento como uma rede de significados, cujas relações não se inicia na escola, pois cada uma das pessoas já possui sua rede antes mesmo da idade escolar. Os nós são construídos individualmente ou socialmente pelos sujeitos em seus contatos com temas e vivências. A escola deverá propiciar condições para que esta rede, através de conexões necessárias, se amplie. Conhecer é ampliar as conexões dos nós desta rede. Estas relações possibilitam ao ser humano conhecer o significado do fenômeno estudado, pois são amplas, de duas vias entre dois fenômenos e de possibilidades totais entre vários fenômenos.

A idéia do conhecimento como rede, em permanente construção e atualização, com conexões heterogêneas e com uma diversidade de percursos, pode ser de grande valia para a prática docente, principalmente no que se refere ao planejamento das atividades a serem desenvolvidas em sala de aula. O conteúdo ministrado por uma disciplina pode não obedecer à hierarquias estabelecidas pelos programas, mas sim, através de um organizador prévio, estabelecer um início e um estímulo para uma navegação escolhida pelo interesse de cada aluno.

 

REFERÊNCIAS TELEMÁTICAS

Freitas, Roselita L de Almeida. O aprendiz na era da informática. http://www.eca.usp.br/eca/pro/moran/roselita.htm. 31/08/97, 19h26min

Wolf, Lilian Alfond. La educación en el mundo de hoy. http:///www.eca.usp.br/eca/prof/moran/liliane.htm. 31/08/97, 13h53min

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

BABIN, Pierre e KOULOUMDJIAN, Marie-France. Os Novos Modos de Compreender: A Geração do Audiovisual e do Computador. São Paulo, Edições Paulinas, 1998.

CÉBRIAN, Juan Luiz. A Rede Como Nossas Vidas Serão Transformadas Pelos Novos Meios de Comunicação. São Paulo, Editora Summus, 1999.

Cortelazzo, Iolanda Bueno de Camargo. Redes de comunicações e educação escolar: a atuação do professor em comunicações telemáticas. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Educação da USP, 1996.

Freire, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977.

Gardner, Howard. Estruturas da Mente. A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 1994.

KERCKHOVE, Derrick. A Pele da Cultura. Lisboa, Relógio D’Água Editores, 1997.

Lévy, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993.

Machado, Nilson José. Epistemologia e Didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo, Editora Cortez, 1995.

Aranha, Maria Lúcia de Arruda e PIRES, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo, Editora Moderna, 1993.

CORTELAZZO, Iolanda B. C. e Oliveira Vera B. de. Telemática: Proposta e desafio à educação e comunicação. In Oliveira Vera B. de. (org.) informática em psicopedagogia. São Paulo, Editora SENAC 1996.

Russ, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Editora Scipione, 1994.

Adonai Cesar Mendonça

Partes: 1, 2
 Página anterior Volver al principio del trabajoPágina siguiente